18 de março de 2012
Matéria publicada na Folha de Londrina.
Perigo ou conforto?
Enquanto cresce o interesse pelo parto domiciliar, médicos alertam sobre os riscos.
Para ter Surya em casa, Fernanda Rocha fez todo o pré-natal corretamente e não apresentava nenhum problema que inviabilizasse o procedimento
Ter o bebê no aconchego do lar, acompanhada do marido e familiares parece cena de filme antigo, mas é uma opção adotada por muitas mamães modernas. Obstetras e pediatras, no entanto, têm ressalvas quanto ao procedimento.
A empresária Fernanda Alves de Sousa Rocha já tinha visto um programa sobre parto natural há alguns anos e quando ficou grávida da pequena Surya, hoje com pouco mais de 7 meses, voltou a pensar no assunto. ''Tenho também uma amiga que participa do grupo Gesta, de Londrina e ela me deu informações, mas só comecei a pensar em ter meu bebê em casa aos oito meses de gestação.''
Ela conta que teve que mudar de obstetra, já que o primeiro se opunha ao parto domiciliar. O segundo profissional a apoiou e orientou sobre o que deveria ser feito para que o parto ocorresse em casa. ''O parto é familiar é amor puro. Participaram apenas meu marido, meus pais e minha sogra, além da doula, do obstetra e da pediatra. Acredito que a cabeça manda no corpo e por isso não tive medo.''
Para ter Surya em casa, Fernanda fez todo o pré-natal corretamente e não apresentava nenhum problema que inviabilizasse o procedimento. ''Ela estava posicionada corretamente, não tinha o cordão enrolado no pescoço.''
Ela conta que nem todos receberam a notícia com tranquilidade. Sua mãe, que passou por um parto complicado justamente no nascimento de Fernanda, se assustou com a escolha da filha. ''Eu nasci com o cordão enrolado no pescoço, foi bem complicado. Depois que expliquei como tudo aconteceria ela acabou aceitando. Já meu pai recebeu melhor a notícia.''
No dia do parto a única solicitação do obstetra foi que ela fosse ao hospital fazer um exame para avaliar os batimentos cardíacos do bebê. ''Eu fui e voltei correndo para que ela nascesse em casa. O obstetra trouxe material para primeiros socorros e sutura, anestesia e aparelhos para medir batimentos cardíacos. A pediatra que acompanhou o parto também trouxe balão de oxigênio e sondas.''
Fernanda conta que o trabalho de parto começou na manhã do dia 31 de julho e durou 10 horas. ''Meu marido cortou o cordão umbilical. Ela mamou logo após o parto, foi tudo muito tranquilo.''
O estilo de vida da família contou bastante na decisão da empresária. Ela e o esposo já levavam uma vida natural, são vegetarianos, prezam alimentação saudável, gostam de acampar e ter vida ao ar livre e raramente recorrem aos medicamentos alopáticos, priorizando a medicina chinesa. ''Minha gestação foi tranquila, isso possibilitou fazer o procedimento. Cada caso é um caso e o apoio familiar é muito importante.''
Atendimento domiciliar em três cidades
Patrícia Merlin, doula e educadora perinatal em Maringá (Noroeste), já acompanhou alguns partos domiciliares. Ela mesma teve dois de seus três filhos em casa e acredita que isso faz toda a diferença na hora de dar à luz.
''O parto domiciliar ainda não é frequente. Tem muita mulher que quer, depois percebe que não é tão simples e desiste no meio do caminho. No Paraná temos atendimento domiciliar em Cascavel, Curitiba e Maringá. Nesses locais já se conta com uma equipe. Em Londrina tivemos duas experiências, mas é difícil achar quem atenda em casa'', reconhece.
Para a doula, a intimidade e o conforto que a mulher tem em casa são fundamentais para seu estado emocional na hora do parto. ''Ela pode ficar do jeito que quiser, no local que quiser. No hospital ela fica restrita ao quarto, que em geral é pequeno.''
Patrícia afirma que é necessário também haver uma assistência médica para que a mulher se sinta segura. ''A doula não é uma parteira. Ela dá apoio para a mãe e para o marido, é alguém que vai apoiar a família durante o processo, mas qualquer intervenção, mesmo simplesmente medir a temperatura, deve ser feita por uma enfermeira ou um médico.''
Nos seus quase 10 anos como doula, ela nunca presenciou intercorrências graves nos partos domiciliares. ''Já tivemos uma mãe com um trabalho de parto prolongado e também uma outra que acabou pedindo para ir para o hospital para fazer a analgesia, mas não porque houvesse um problema.''
A profissional ressalta que no parto domiciliar, embora seja permitido a presença de quem a gestante quiser, é melhor que seja restrito apenas ao marido, equipe de apoio e filhos. ''Já tivemos uma situação em que a mãe da gestante interferiu tanto que a mulher desistiu e acabou fazendo uma cesárea'', conta.
Mesmo com a equipe levando vários aparelhos e suportes que mãe e bebê teriam no hospital, a parturiente também precisa estar ciente dos riscos e pronta para assumir a responsabilidade sobre o que vier a acontecer no parto. ''Mulheres com gestação de risco não podem fazer parto domiciliar, nem mesmo quem teve alteração de pressão durante a gravidez.'' O atendimento domiciliar tem um custo, que leva em conta o número de profissionais, a experiência da equipe e também o município. Segundo ela, o valor varia entre R$ 1 mil e R$ 10 mil. (E.G)
'O melhor local é no hospital'
O ginecologista e obstetra Antônio Caetano de Paula, presidente da Associação Médica de Londrina, acredita que fazer um parto em casa seria o mesmo que ir a São Paulo a cavalo. ''Só se justifica se for tão rápido que não dê tempo de chegar ao hospital. As pessoas encaram o parto como uma festividade e não como um procedimento médico'', observa.
De acordo com o obstetra, os problemas podem ocorrer com qualquer pessoa, mesmo com aquelas mulheres que fizeram o pré-natal corretamente. ''Em alguns casos não há tempo de chamar uma ambulância. O parto é um momento de alegria mas há riscos'', resume.
Mesmo o parto realizado em casa sendo uma ocorrência comum antigamente, Caetano acredita que os tempos eram outros, assim como o corpo e comportamento femininos. ''As mulheres não ficavam sentadas o dia todo, realizavam mais atividades físicas e não usavam roupas apertadas. Não se justifica colocar mãe e filho em risco sendo que nos hospitais se pode fazer um parto humanizado.''
A opinião é compartilhada pelo pediatra Milton Macedo de Jesus, que destaca que os três primeiros minutos de vida são fundamentais para a criança. ''Se alguém pudesse garantir que a criança fosse nascer bem, ela poderia nascer em casa, mas se não nascer bem, ai é o problema'', destaca. ''Nesse momento tem que ter um profissional junto, não dá tempo de esperar porque isso pode significar sequelas graves e permanentes'', acrescenta.
O pediatra acredita que a escolha pelo parto domiciliar vem de países mais desenvolvidos, mas que a saúde no Brasil não permite que a prática seja comum por aqui. ''São países em que há uma retaguarda e um transporte de urgência imediato. O melhor local para uma criança nascer, no Brasil, é no hospital.''
Macedo ressalta que não é a mesma coisa estar em casa com equipamentos do que estar no hospital, já que nem todos podem ser levados para a casa da parturiente. ''Não tem como fazer todos os atendimentos em casa. A mãe deve estar ciente de todos os riscos e decidir junto com os profissionais. Mesmo um pré-natal sem problemas não é garantia de que tudo vai dar certo. É algo para uma clientela diferenciada, restrito a poucas pessoas'', ressalta. (E.G)
Érika Gonçalves
Reportagem Local
* Nota da Pati Merlin: Para que as pessoas pudessem avaliar os dois lados da questão, deveriam entrevistar um médico ou uma enfermeira que assistem parto em casa. Colocar a opinião e experiência de duas mulheres leigas e de uma doula "contra" a opinião de dois profissionais gera muito mais confusão, por que é uma tendência acreditar que só bicho grilo vegetariano opta por parto em casa e/ou outras questões alternativas. A matéria vale, por que queremos mesmo é falar mais e mais sobre o assunto. Mas seria mais produtivo entrevistar quem pauta sua atuação pela evidência científica e pelas recomendações da OMS, lá é bem claro: a mulher pode e deve escolher o local onde vai parir...
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